Pesquisadores encontraram, no Ceará, primatas infectados com o Zica vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti.
Dra. Naylê Francelino Holanda Duarte.
INFORMAÇÕES PROFISSIONAIS: Núcleo de Controle de Vetores (Nuvet), coordenadora do projeto no Ceará.
01. Pela primeira vez, pesquisadores encontraram fora do continente africano, no Ceará, primatas infectados com o vírus da Zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o que isso significa?
A doença Zika foi introduzida no Brasil há pouco tempo e, apesar dos esforços, ainda não se tem muita informação sobre a mesma. Os resultados encontrados por pesquisadores causam preocupação à comunidade científica e profissionais da área, pois caracterizam novos desafios na área da saúde pública.
O isolamento do vírus nos primatas não humanos (saguis - Callithrix jacchus e macacos-pregos - Sapajus libidinosus) deixa várias interrogações no âmbito da ciência e, uma delas é entender se os animais são ou não reservatórios do vírus, haja vista que uma vez reservatórios os mesmos serão mantenedores do ciclo da doença na natureza, dificultando, assim, o controle.
Pelo fato da população cearense ter o hábito de criar animais silvestres em cativeiro e estarem constantemente em contato com eles, supõe-se que a contaminação destes animais tenha sido através dos seres humanos via Aedes Aegypti.
02. Foram sete macacos identificados com o Zika Vírus, como aconteceu a descoberta?
Tudo começou em 2014 quando pesquisadores de São Paulo propuseram a realização da pesquisa sobre o vírus da raiva no Ceará. Devido à existência de um programa ativo de vigilância da raiva silvestre e um histórico epidemiológico diferenciado em relação aos demais estados do Brasil nas espécies em questão, muitos pesquisadores têm os olhos voltados para o nosso estado quando o assunto é pesquisa.
Portanto, a partir de diálogos foi firmada uma parceria, e o projeto de pesquisa foi elaborado, sendo intitulado: Raiva em silvestres terrestres da região Nordeste do Brasil: epidemiologia molecular e detecção de resposta imune entre a Universidade de São Paulo - USP, Instituto Pasteur de São Paulo – IP/SP e Núcleo de Controle de Vetores - NUVET da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará – SESA, com financiamento da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP - (Processo 2014/16333-1).
As coletas foram iniciadas em março de 2015, onde foram adquiridas amostras das várias espécies de mamíferos silvestres terrestres, em especial saguis (Callithrix jacchus) e macacos-pregos (Sapajus libidinosus). Foi quando em dezembro de 2015, por iniciativa do governo do estado de São Paulo, foi solicitado que todos os pesquisadores que estivessem com pesquisas em andamento colaborassem também com pesquisas sobre o Zika vírus.
Dentre as amostras coletadas, soro e swab oral que já foram enviadas para a USP, 24 eram provenientes de primatas não humanos, sendo, as mesmas, analisadas por meio da técnica de PCR em tempo real.
Os resultados surpreenderam a todos os envolvidos, pois foi detectada a positividade para o Zika vírus em 7 (29,16%) das 24 analisadas (saguis e macacos-pregos).
Posteriormente, foi realizado o sequenciamento genético apresentando 99% de compatibilidade com outras amostras de vírus isolados de humanos do Brasil.
03. Como foi realizada a pesquisa? Quais métodos utilizados?
A metodologia utilizada na pesquisa consiste em expedições mensais para os municípios contemplados, os quais foram escolhidos usando-se parâmetros epidemiológicos.
Nas CRES (Coordenadorias Regionais de Saúde) é realizada a implantação do projeto, onde é formada uma equipe de apoio (veterinários e agentes de endemias locais) para que as atividades sejam iniciadas.
O primeiro passo é o estudo do ambiente para reconhecimento de área e identificação das localidades onde há presença de animais silvestres terrestres para que, assim, sejam realizadas as capturas. Em seguida, é realizada a sedação do animal com o objetivo de fazer a coleta de material biológico, a biometria e a implantação de microchip. Posteriormente, o animal é monitorado até que esteja sem nenhum efeito da sedação para a realização da soltura. Esta é a melhor parte dos trabalhos, vê-los voltando para o seu habitat.
São coletadas, também, amostras de animais em cativeiro e daqueles que são devolvidos ao CETAS (Centro de Triagem do IBAMA), ambos são parceiros na pesquisa.
As amostras são enviadas para a USP por meio do LACEN (Laboratório Central de Saúde Pública do Estado do Ceará).
04. A contaminação em macacos pode possibilitar um melhor entendimento de como a doença afeta humanos?
Com certeza. Toda e qualquer informação a respeito da doença contribuirá com um melhor entendimento em relação à dinâmica da mesma, principalmente em relação à transmissão e a disseminação rápida e assustadora da doença em vários países do mundo.
Apesar de ser o primeiro relato do isolamento do Zika vírus em primatas neotropicais, os achados indicam uma possibilidade de que estas espécies possam atuar como reservatórios do vírus da mesma forma como acontece no ciclo silvestre da febre amarela no Brasil.
05. Com a novidade, fica no ar a possibilidade de risco à saúde humana. Qual a extensão e o que poderia acarretar essa problemática?
O cenário encontrado é bastante preocupante. Dos sete animais infectados com o Zika vírus (4 saguis e 3 macacos-pregos), ambas as espécies encontravam-se em convívio diretamente com o ser humano, mostrando que o risco é eminente, pois estes animais são espécies silvestres que deveriam estar no seu habitat natural, longe do convívio humano.
Essa situação oferece bastante risco em relação à transmissão de doenças, não só para a raiva, mas também para outras enfermidades. Como falamos, ainda não sabemos quem contaminou quem na história.
06. Além dos riscos ao ser humano, já é possível dizer se há risco à saúde animal? Quais problemas podem ocorrer caso confirmado essa hipótese?
A relação da doença Zika com os primatas não humanos ainda é desconhecida. Não sabemos se a doença se manifesta nos animais da mesma forma que afeta o ser humano. Muita coisa ainda há para esclarecer relacionado aos animais, e a única coisa certa no momento é que o vírus foi isolado nestas espécies e que o achado contribuirá com a comunidade científica do mundo inteiro em relação ao entendimento da doença.
No Ceará as pessoas ainda tem a cultura de criar animais silvestres. Desde a década de 80 que a Saúde desenvolve trabalhos educativos sobre o risco da transmissão de doenças, em especial a raiva. Sem falar na forma como a população mantém esses animais que é totalmente desumana. De acordo com a lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 é proibido manter animais em cativeiro sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, assim como praticar maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres. A detenção é de três meses a um ano, além de multa. Portanto, deixem os animais nos seus devidos lugares. Não devemos persegui-los.
Temos que aguardar que as coisas sejam esclarecidas e, até o momento, o melhor a fazer é evitar contato com animais silvestres, mantendo os mesmos na natureza e não trazê-los para o convívio humano.
07. Agora, quais os próximos passos da pesquisa?
Os achados são primordiais e importantes para o direcionamento e realização de muitas outras pesquisas no que diz respeito à doença. Por isso, iremos dar continuidade à pesquisa para responder os vários questionamentos que surgiram, retornando aos locais onde houve positividade para coletar novas amostras para posteriores análises.
Pretendemos coletar o máximo possível de amostras até o final de 2016 e, assim, poder colaborar com o entendimento da doença e um melhor direcionamento das ações de vigilância e controle dessa enfermidade.
08. Qual a importância da pesquisa para a medicina veterinária regional e nacional?
Os desenvolvimentos de pesquisas científicas revelam a importância da atuação do Médico Veterinário que transcende as barreiras regionais e nacionais em áreas imprescindíveis à manutenção da saúde humana, levando-se em consideração que a saúde das populações é afetada pelas diversas possibilidades de transmissão de zoonoses no mundo inteiro. Neste contexto, o Médico Veterinário tem papel de destaque, pois se trata do profissional mais indicado devido a sua formação acadêmica para estudar e compreender os mecanismos que afetam a dinâmica da transmissão destas zoonoses a nível mundial.